por tudo aquilo que deveria ser e não o é

para início de comentário sobre este filme, devo dizer que me recorda uma frase que tive a ocasião de escrever sobre o filme ‘fora de controlo’ / ‘outbreak’ (wolfgang petersen, 1995)(quando escrevi uma espécie de crítica na expectativa de que entregaria o processo de candidatura à escola superior de teatro e cinema – o que não veio a acontecer, tendo-me decidido pela candidatura à universidade de aveiro, curso de planeamento regional e urbano), e que sobre ele dizia qualquer coisa do género em que seriam mais interessantes os seus pressupostos e discussões em torno dele do que propriamente a sua execução formal (é uma coisa que acontece amiúde). e é exactamente o que o que numa frase poderia dizer sobre o seu resultado final, mas tem que se dizer algo mais…
a trama parte da história de uma intérprete das nações unidas (silvia broome / nicole kidman) que se vê envolvida numa conspiração para assassinar o presidente de um estado africano em guerra civil (dr. zuwanie / earl cameron), depois de ouvir ‘acidentalmente’ uma conversa nas nações unidas.
esse algo mais passa claramente pela abordagem à actualidade sobre a qual o filme se debruça, tendo a seu favor o levantamento de questões importantes da política internacional, contendo um olhar actual e pertinente sobre um país fictício, motobo, mas cuja situação retratada é semelhante à realidade de vários outros países no continente africano (e não só), exemplificando a ineficácia, que perdura há décadas, do poder internacional, palco de massacres, guerras civis, chacinas, de pobreza, falta de liberdade de expressão e com um défice enorme de democracia. ainda que se centre num país ficcional, parece evidenciar referências mais ou menos óbvias ao zimbabué de mugabe.
por outro lado há aquilo que se pode entender como uma luta entre as palavras e as armas, passando a mensagem de que as situações devem ser resolvidas de forma pacifista e diplomática, não sendo de espantar que a protagonista seja alguém que nascida nesse mesmo país africano, assume uma posição verdadeiramente cosmopolita no sentido político da palavra, apoiando-se convictamente no ideal de que a diplomacia das palavras vencerá a guerra das balas.
desta forma, entende-se que a trama tenha lugar num espaço único como o é a sede das nações unidas, por todo o simbolismo que detém, e por tudo aquilo que deveria ser e não o é. a referência explícita e o apelo a uma via negocial diplomática e pacifista, traz à coacção o papel importante que a onu deve ter na resolução dos conflitos pela via do diálogo e da paz.
no entanto, há que reconhecer que pese embora o facto de o espaço do seu edifício sede ser caracterizado por uma imponência e simbolismos únicos, a organização nunca cumpriu cabalmente as suas funções vivendo sempre atamancada num jogo de braços de ferro entre as forças do conselho de segurança, tendo atravessado e encontrando-se também actualmente num momento difícil, sendo muitas das vezes as suas resoluções quebradas e desautorizada, e o filme acaba por lhe conceder uma importância que está algo desconectada do presente: é que os ditadores de hoje (nem de ontem, diga-se) não se incomodam muito em prestar contas à velha senhora, e a ideia de um deles se deslocar propositadamente a nova iorque para tentar convencer o mundo da sua inocência é… inusitada…
o filme tem consigo o que se pode entender como uma pequena grande proeza, que é o facto de ter conseguido ter sido filmado no próprio edifício das nações unidas, o que se por um lado evidenciará o poder do cinema, também parece evidenciar ou acentuar ainda mais a fraqueza actual da organização, quando se encontra abalada com a crise relacionada com a situação no iraque, e até alvo de suspeitas de fraude que envolvem o filho do secretário-geral, tendo kofi annan eventualmente ponderado o facto de que talvez uma exposição deste género poderia ser uma mais valia para a imagem da instituição, e de alguma forma contribuir para uma pedagogia para o seu papel no mundo.
pelo meio há ainda lugar a referências tais como ao tribunal penal internacional e à questão do terrorismo (tendo filmado um atentado bombista num autocarro em plena nova iorque pós-11 de setembro)
de resto há de tudo, um polícia-herói à espera de se reencontrar após a morte da mulher, a espécie de um misto de afinidade, ou talvez melhor dito, de repulsa-atracção entre os protagonistas, um pouco de ciúmes que dot woods / catherine keener, colega de tobin keller / sean penn parece sentir, dando a impressão de que está à espera da atenção de tobin (mas sem dar grande enfâse no filme), etc.
há até aquilo que é um verdadeiro ‘fora’, um desmancha-prazeres, que é a aparição de um português saído sabe-se lá de onde, que é o ‘faxineiro’ lá do sítio (portuguese janitor / paul de sousa), e que não sabe de nada…
por último, é de realçar a soberba interpretação de sean penn, também dizendo que nicole kidman não está assim tão bem, parecendo até um pouco deslocada, por vezes, e dando ares de alguma inverosimilhança entre a personagem e a história
um aspecto curioso, e que precisa de confirmação, mas avanço de qualquer modo, é que pollack parece querer ‘seguir’ hitchcock, desde logo do tema e do filme em género de thriller, e até da utilização das nações unidas como pano de fundo (já hitchcock a usara em ‘north by northwest’ -1959, mas sem filmar lá dentro), e também de uma pequena aparição que o próprio pollack tem na tela, muito característica de hitchcock.
a interprete / the interpreter (sidney pollack, 2005)
site oficial imdb
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